sábado, 27 de setembro de 2008

(dar forma ao pe')

no calor tropical do Rio, eu uso sandalias.. pe' ao ar livre. Em terras galegas, ja' näo posso mais. Tenho que usar sapatos. Acontece que näo sei. Näo sei como comprar sapato, näao sei qual o tamanho que calco. Opto pelos sapatos maiores, que fiquem frouxos no meu pe' - saem - para ele continuar dancando livremente dentro do calcado fechado. Em Santiago de Compostela, alem de frio, chove o tempo todo. Afora os sapatos, tenho que comprar roupas, como calcas e cassacos. Logo eu que defendo uma tese escrita na praia, cuja roupa näo passa de uma sunga. Na praia, o pensamento estira-se no horizonte sem fim, nadando ou voando para alem. Na praia, estou semi nu e descalco.

Para viver fazemos concessöes 'as N(F)ormas. Inclusive na praia, onde estamos expostos ao calor, ao vento, 'a areia, ao mar e o horizonte. O dificil e' conhecer a "medida certa". No caso dos sapatos, qual seria essa medida certa? Um numero maior, para que o pe' relaxe e se movimente ou um numero menor ou exato, para que o pe' forme uma unidade com o sapato, compondo juntos as passadas? Uma coisa e' certa: devo aprender a viver no frio umido e chuvoso..


segunda-feira, 8 de setembro de 2008

da grande liberação

Friedrich Nietzsche escreve sobre a “grande liberação” no fragmento 3 de Humano Demasiado Humano. Para ele, estamos atados à “deveres” – ou hábitos – e a grande liberação

“vêm súbita como um tremor de terra: a jovem alma é sacudida, arrebatada, arrancada de um golpe – ela própria não entende o que passa. Um ímpeto ou impulso a governa e domina; uma vontade, um anseio se agita de ir adiante, aonde for, a todo custo; uma veemente e perigosa curiosidade por um mundo indescoberto flameja e lhe inflama os sentidos” (Nietzsche, 2005, p.9).

O jovem que vê seu mundo tremer – e desmoronar – desenvolve um desprezo – renega – pelos seus deveres e hábitos. Assim, desperta em seu âmago – como uma dor no peito – um “vulcânico anseio de viagem, de exílio, de afastamento. [...] um olhar profanador para trás, para onde até então amava e adorava” (idem). E justo aí, emerge o perigo que vem e arrasta como a maré. “Um ébrio, íntimo, alegre tremor, no qual se revela uma vitória – uma vitória?” (op. cit, p. 10).

Uma vitória enigmática contra um campo de forças? As leis do mar – a maré – pode arruinar essa vitória – “destruir o homem”. O liberto tenta “demonstrar seu domínio sobre as coisas”, sobre a maré. Atira-se com uma “avidez insaciada”. Ele revira as coisas, revolve o que está encoberto – a areia no fundo do mar –, “experimenta como se mostram as coisas, quando são reviradas”. O poder de revirar tudo lhe seduz, lhe confunde. Se isola, “a solidão lhe cerca e o abraça” – ameaçadoramente – se vê enleado naquela “desordem de suas fantasias” na solidão habitada por seus fantasmas – “quem sabe hoje o que é a solidão?” (idem).

No fragemento 4, Nietzsche afirma que desse “isolamento doentio” o espírito passa por um longo caminho até a madura liberdade do espírito, se orientando pela “vontade de saúde”. Assim, o espírito passa por uma “sensação de liberdade de pássaro”. Neste momento, ele supera os “grilhões de amor e ódio, sem sim, sem não”, da ignorância dos seres sencientes presos entre os apegos e a aversões, segundo a noção budista. Passado isso, o espírito se liberta e contempla, agradecido, suas andanças. “Como foi bom não ter ficado ‘em casa’, ‘sob o teto’, como um delirado e embotado inútil!” (op. cit., p. 11).

O espírito livre deve tornar-se senhor de si mesmo, ter “domínio sobre seu pró e seu contra, e aprender a mostrá-los e guardá-los de acordo com seus fins” (idem). A injustiça acompanha os prós e contras, é a marca de todo “perspectivismo”. Eduardo Viveiros de Castro sustenta: “Se penso, então também sou outro. Pois, só o outro pensa, só é interessante o pensamento enquanto potência de alteridade. [...] ‘só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago’” (Viveiros de Castro, 2008, p. 118). A conclusão é a citação de Oswald de Andrade. O antropólogo revira a antropofagia ao estudar uma tribo tupi – os Araweté. Segundo Viveiros de Castro, são os tupis, herdeiros dos tupinambás, os antropófagos brasileiros, em oposição ao tronco jê, do Alto Xingu, muito mais estudados pelos antropólogos até então.

Seguindo os rastros no ar desprendidos pelos estudos de Oswald, Viveiros de Castro segue o que não é dele, o que não é nosso, aquilo que demanda outras iniciações além da escrita e do pensamento conceitual e abstrato. Segundo Nietzsche, “você deve aprender a perceber o que há de perspectivista em cada valoração. [...]. Você deve aprender a injustiça necessária de todo pró e contra, a injustiça como indissolúvel da vida a própria vida como condicionada pela perspectiva e sua injustiça” (Nietzsche, op. cit., p. 12-3). Assim, cada perspectiva contém o sujeito, a valoração e sua injustiça. A perspectiva é, para Viveiros de Castro, “a afirmação de sua incompatibilidade enquanto ‘melhor perspectiva’” (Viveiros de Castro, op. cit., p. 123).

glosa > os rastros do caracol

Bernardo Carvalho, em Nove Noites, descobre o nome que os índios Krahô deram ao antropólogo note-americano, Buell Quain, que viveu dentre eles e se suicidou em 1939. O nome do antropólogo era: Cãmtwyon. Sobre seu significado, rastreia Bernardo Carvalho, atribuindo uma dedução própria:

"Cãmtwyon" pasou a ser, para mim, ao mesmo tempo a casa do caracol e o seu fundo no mundo, a casca que ele carrega onde quer que esteja e que também lhe serve de abrigo, o próprio corpo, do qual não pode se livrar a não ser com a morte, o seu aqui e o seu agora para sempre. "Cãmtwyon" passou a ser para mim o rastro do caracol: não adianta fugir, aonde quer que você vá estará sempre aqui" (Carvalho, 2007, p. 72).

sexta-feira, 5 de setembro de 2008


[Exu > glosa introdutória]
O canto de Exu é a comunicação, o sexo... Ele é o mensageiro – o trânsito – que atravessa os corpos. Para Nestor Perlongher está presente no deseo... na sonoridade desse encontro de vogais, na boca abrindo, a língua rossando os dentes e, depois fechando e deixando uma brecha para o som sair... Essa conexão é proporcionada pelas brisas das esquinas de Exu, onde o desejo se (re)produz. Perlongher “diría que el deseo es conexión, es aquell que hace entrar a las cosas en contacto, en movimiento: no es tanto lo que va de un sujeto a un objeto sino ‘entre’, entre dos, lo que realiza la conexión.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

(diário galego)

(ar, domingo, 31/o8/o8)
(Começo os "informes biográficos": serão intervenções, sempre com esse título - diário galego - nas encontrovérsias do dia a dia na Galiza..)
Atravesso a Espanha, da Catalunha até Santiago de Compostela. Sobrevôo e sinto com o corpo o que minha mente sente a cada divagação, a cada vôo. é o que quis Mishima ao tomar a decisão radical de pilotar um caça.

Inicio um outro momento em minha vida e brindo com um vinho branco – Viña Sol – e efun no ori..

Estive um dia em Lisboa, depois que perdi a conexão para Madrid e consequentemente para Santiago. Pude conhecer o Castelo de São Jorge e ver a cidade de vários ângulos diferentes. Fui ao bairro alto e ao chiado, passando pela igreja do Carmo e seu elevador panorâmico que liga a cidade alta à baixa. fiquei no hotel roma e comi bacalhau à natas com vinho branco – porta da ravessa – no bar liga dos sagres, na calçada de santo andré. Por sorte, passava o clássico português de futebol: Benfica e Sport Club do Porto.

Assim que cheguei à Lisboa me senti só pela primeira vez – completamente só. Sinto-me só e perdido – atordoado. Porém, quero estar vivo, a cada dia mais vivo e alegre. Parto – agora vôo – em busca de vida para, aproximar-se da pulsão de vida poder gerar mais vida. Em Lisboa, me senti como num fado, a sofrere e a chorare, uma cidade demasiadamente melancólica, ainda que belíssima. Lisboa deve ser vista do alto – o firmamento luso – e aí ela se abre, hipnotizante.

Estou preparado para a peregrinação, para rastrear a vida nas rotas da Galícia. Percorrer a história e a cultura celta. Ao mesmo tempo que persigo a grande liberação..