quarta-feira, 13 de agosto de 2008

rastre(ar)

(morada de fátima, 11 / o1 / o8)

rastre(ar)
seguir os rastros do ar
- firmamento -

leitura
rastre(ar) a escrita
re-escrever ou recriar o texto
... escrelerescreler...

Em 2002 dediquei-me a estudar assiduamente a revolução cubana, seus antecedentes, suas influências ideológicas, seus princiapais líderes, a tomada do poder e seus primeiros anos com a introdução do socialismo cubano, experiência singular na América Latina... Com minha monografia, um caminho dentro da história e da sociologia se abria para mim... Algo faltava, entretanto...

Consultei os astros para saber a causa do meu desconforto... Samara disse-me: você deve trabalhar com arte e com os confins obscuros do caminho místico... e fui parar nos estudos de literatura e cultura...

por sorte, ou melhor por ter acumulado realizações em minhas vidas anteriores até chegar a esse renascimento e essa forma presente, com esses agregados e esses acidentes corporificados em luis felipe, deparei-me com outro agregado humano, uma mulher de incontáveis realizações, no corpo de mar, marília... e iniciei minha busca por algo inapreensível, ininteligível... por quatro anos, andei, recuei, me apressei, me irritei, adiei e odiei... oziel...

por mais esforço que fizesse o canto saía, mas não entendia o que aquelas palavras queriam dizer... inatingível... inabalável... oziel...

consultei os orixás, deitei para o senhor do pano branco... fui abençoado com seu axé... ainda assim tentei entender, precisava entender e me esforcei... tentei ir para salvador e para a nigéria... comprei livros e os li repetidamente... comprei um moleskine ou um forini, não importa... corri contra o tempo e contra o espaço – 2007 – e acabei na solidão do caminho sem ter avançado... todos me abandonaram, com escessão da gruta do mar, do laboratório alquímico na floresta de leonel, da caverna rosa, da morada de fátima, do mar rocar grisalho, da minha íntima família.

eis...
depois de quatro anos, é isso! encontrei o wu shi, minha escrituração tal como é... tal como acontece... qual nasce primeiro: a leitura ou a escrita? por isso escrevivo através da escrituração – escrita e leitura ao mesmo tempo. o texto não se fecha para daí eu escrever. ambas acontecem paralelamente... e esse é o primeiro salto. ao invés de preocupar-me somente com o meu ego de escritor, recuo para deslocá-lo, pois antes de mais nada sou leitor e sigo os rastros deixados por outros. a mata já foi desbravada, não sou o primeiro, persigo as pegadas dos que me antecederam nas veredas da literatura e do ensaio fragmentário. este tende ao múltiplo com a impossibilidade de fechar-se num centro, abre-se entre interrupções...

São de encontros que falo. Encontrar o descaminho, girando em torno do próprio deslocamento, não estando mais sob a “proteção do centro”. Para Blanchot, “encontrar é tornear, dar a volta, rodear. Encontrar um canto é tornear o movimento melódico, fazê-lo girar. [...] Errar é voltar e retornar, abandonar-se à magia do desvio” (Blanchot, 2001, p. 63-64).

O passo seguinte que rodiei foi justamente a definição de meu objeto... visualizo-o na minha frente como um holograma levitando... torneio e dou a volta, sinto em sinestesia, giro-o... é bruma esvaindo como a neblina na frente do carro em movimento... sei agora que não posso saber, que não posso existir só porque penso nele... não posso tocá-lo, ou melhor posso tocá-lo como um sólo de sax ou ouvir suas cores no delírio do verbo... Nos versos de Manoel de Barros:

“No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá onde a criança diz: Eu escuto [a cor dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não funciona para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um verbo, ele delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta, que é voz de fazer nascimentos
O verbo tem que pegar delírio” (Barros, 1998, p. 26).

eis o meu objeto hologramático... persigo-o há 4 anos e só agora visualizo e dou à volta contornando-o, ouvindo-o com as mãos... eis uma tentativa de dar forma através da escrituração à esse objeto que encontrei...
vim ao mundo para pensar em duas dimensões humanas e suas implicações éticas: a magia e o místico... o homem, ou os diferentes agregados incidentais humanos, são mágicos e místicos... em cada cultura encontramos uma linguagem que preenche essas dimensões humanas...
no momento, reflito a arte, mais especificamente a literatura, uma linguagem como outra qualquer, que também explora essas duas dimensões...
magia – capacidade de, através de diferentes linguagens, transformar o espaço e tempo.
místico – deparar-se com o inapreensível ou a própria experiência vivida por um agregado acidental (ou incidental) humano.