quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

"um bêbado nunca se tornará sábio, mesmo depois de cem garrafas de vinho, mas um homem sábio ficará intoxicado com um copo de água" (sabedoria sufi)

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

o Lorenzo tem
todo o orvalho
do mundo

quinta-feira, 15 de abril de 2010

antropofagia – nos rastros da opção descolonial (parte I)


Nessa batalha, uma máscara pintada ou o chocalho de um xamã pode vir a ser vital para a captura de um satélite de comunicação ou de uma rede secreta de computador (Hakim Bey).

         O modo de operação do pensamento fronteiriço que considero mais potente é através da antropofagia. No intuito de tensionar o pensamento oriundo da modernidade / colonialidade faz-se necessário afetá-lo ou, mais bem, contaminá-lo com outras epistemologias, ontologias e tecnologias. O chocalho do xamã seria uma maneira. Reforço que o xamã não é um bruxo, mas sim um cientista ou médico; noutras palavras, é um cientista bárbaro solto no espaço liso formulando suas problemáticas cosmológicas. O xamã devorando e sendo devorado pelas máquinas cibernéticas pós-industriais, como os satélites e os computadores, torna-se um bárbaro tecnicizado dentro de uma “modernidade fronteiriça”[1]. Daí, emergem diferentes geografias e histórias, entre o oriente e o ocidente, o bárbaro e o civilizado.
A teoria e prática antropofágicas têm um modo de operação equivalente ao das ciências nômades, afinal de contas a antropofagia é uma ciência nômade. Ambas situam-se no exterior do Estado, em relação de diferenciação entre as matérias e forças que as compõem através de redes múltiplas e rizomáticas. Impõem ritmos próprios ao se desterritorializarem como os pássaros migrantes atravessando terras, mares, ilhas e desertos. Informam e recriam linguagens como diz Mignolo: “um pensamento desde outro lugar, imaginando uma linguagem outra, argüindo por uma lógica outra” (apud Escobar, 2003: 64). As ciências nômades e antropofágicas já são outras e, desde já, desobedecem epistêmica e civilmente as regras formais das ciências régias do Estado. Esta é a opção descolonial que experimenta, assim como, Benjamim e Álvaro de Campos o fizeram, em outros espaço-tempos de enunciação. 

A dinâmica das encontrovérsias que motivam as encorporações-aglomerações-devorações ente natureza e cultura respeitam certas regras equivalente ao nomos, de outro modo seria apenas um canibalismo, uma batalha de todos contra todos. Para Haroldo de Campos, “o canibal era um ‘polemista’ (do grego pólemos = luta, combate), mas também um ‘antologista’: só devorava os inimigos que considerava bravos” (Campos, 1992: 235). O rigor é imprescindível no jogo antropofágico, ou seja, é preciso escolher nossos inimigos e, dentre eles, o mais combativo ou o mais inteligente, uma vez que ao devorá-lo apropriar-nos-emos de sua força. 

[continua]


[1] O termo é de Júlio Ramos que situa as experiências, de um lado, de Walter Benjamin usando haxixie, nas periferias de Marselha e, de outro lado, do sujeito lírico do poema de Álvaro de Campos, “Opiário”. Em ambos os casos, os personagens refletem sobre a modernidade ocidental em confronto com o oriente, a partir da experiência fronteiriça com as drogas, com a região portuária de Marselha e a viagem a China e a Índia.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Veja, a Sociologia e a Filosofia

Em 2001, junto aos meus colegas do movimento estudantil de ciências sociais, fomos à Brasília militar pelo ensino de sociologia e filosofia no ensino médio. O curioso é que estivemos na capital federal no momento do escândalo do Jader Barbalho. É claro que esse evento era mais significativo e a votação que nos afetava diretamente ficou em segundo plano. O projeto de lei pelo ensino da sociologia e da filosofia foi aprovado sem problemas e o então presidente Fernando Henrique vetou. Agora, a sociologia e a filosofia são obrigatórias o que motivou a revista Veja a escrever este texto.  A reportagem da Veja repete os preconceitos e se refugia em argumentos evasivos. Como estudante de licenciatura e futuro professor de sociologia tenho a obrigação de compor, juntamente com meus alunos, um pensamento crítico colocando em questão palavras de ordem ou conceitos vazios que nada acrescentem. A sociologia, assim como a filosofia, fabricam (e refrabicam) conceitos atentas ao rigor metodológico da área. E é esse corpo teórico que deve ser trabalhado em sala de aula levando em consideração a realidade de cada turma e de cada aluno, como nos mostrou Paulo Freire. A sala de aula é um espaço e um tempo de encontros e de composição de idéias e a matéria a ser lecionada é o fio condutor. A Veja coloca em questão este ensino alegando que deveríamos ter mais matemática. Ora, a revista acha que pensar sobre o ser humano e suas relações sociais num mundo caótico como o nosso não é necessário? Porque opor o saber humano e social ao saber matemático? O que uma coisa tem a ver com a outra? A não ser que, seguindo a cartilha do Capitalismo Mundial Integrado o mercado financeiro, os indicadores sociais e econômicos, a pesquisa quantitativa são mais importantes do que a pesquisa qualitativa, as relações humanas, a observação participante, a afetação mútua oriunda do encontro entre diferentes histórias de vida. Volto a repetir, ambas as análises são indispensáveis e se complementam, isto é, tanto a matemática quanto a sociologia e a filosofia não estão em oposição - é uma ou a outra - mas sim, em relação, interligadas, uma suplementando a outra.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

delírio rigoroso (parte II)



“Zumbi é o senhor da guerra, é o senhor das demandas... e quando Zumbi chega é Zumbi é quem manda” (Jorge Bem, “Zumbi”). Como sobreviveram os ritmos, a espiritualidade e os modos de subjetivação negra dos descendentes de Zumbi por entre as ruas retilíneas e diacrônicas da cultura ibérica? A força de Zumbi é a das covas, das grutas, dos subterrâneos, dos ventos, do fogo, dos mares e cascatas. “Eu quero ver, quando Zumbi chegar... o que vai acontecer”. Não só sobreviveram como se afirmaram e reaparecem nas esquinas, nas curvas das ruas, na morada de Exu; atravessando a natureza. Hoje insurgem como modo de subjetivação alternativo ao padrão identitário do homem branco ocidental.



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O canto de Exu é a comunicação, o sexo... Ele é o mensageiro – o trânsito – que atravessa os corpos. Para Néstor Perlongher está presente no desejo... na sonoridade desse encontro de vogais, na boca abrindo, a língua rossando os dentes e, depois fechando e deixando uma brecha para o som sair... Essa conexão é proporcionada pelas brisas das esquinas de Exu, onde o deseo se (re)produz. “Diría que el deseo es conexión, es aquell que hace entrar a las cosas en contacto, en movimiento: no es tanto lo que va de un sujeto a un objeto sino ‘entre’, entre dos, lo que realiza la conexión. (Perlongher, 2004, p. 330).



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“Lo que yo te puedo decir es en qué estoy preocupado ahora: ahora estoy preocupado con la cuestión de lo dionisiaco, del éxtasis. Parece muy místico, muy extraño, ¿no? […]. primero somos afectados antes de ser personas o identidades o, inclusive, discurso. Primero está lo molecular, lo microscópico, antes que esté lo estructurado, lo organizado (Néstor Perlongher)



O ar, o fogo, a mata, o mar estão impregnados; contaminam os corpos que por ali passam. Os corpos são formados, dizem os chineses, pelos movimentos dos cinco elementos – metal, água, madeira, fogo e terra. Tudo se contamina, se afeta e se forma pelas encontrovérsias – como transtornos ininterruptos – das forças e das formas. Antes de sermos identidades, somos corpos como fome, com sono, adoecendo sem causas aparentes... para os chineses, as doenças são desequilíbrios em nossos padrões de comportamento...



(Lembro do pôr do sol à beira do rio Paraná, em Rosário... um espetáculo; no horizonte a ponte que liga Rosario à Vitória)



De um afeto microscópico, molecular, informal, caótico, desorganizado – fluido de força mística – compomos um corpo molar, formal e organizado. Assim, interferimos magicamente, transtornando o místico... o barato é que o intuito da escrituração é restituir a sensação intransferível daquele pôr do sol à beira do rio Paraná, em Rosário.

Para Haroldo de Campos, o mesmo ocorre na tradução: “o que há de essencial, próprio e único de um objeto não pode ser traduzido, assim como o que há de único e que faz de alguém alguém não pode ser comunicado – e, no entanto, o que se busca traduzir, o que importa traduzir é justamente o intraduzível” (Campos, Pignatari e Campos, 2006, p. 112). O delírio da linguagem é o que permite a tradução ou a comunicação das experiências, que sempre guardam uma dimensão muda - inapreensível. E volto a lembrar que o rigor - formal? - é indispensável para que a força não se perca e a nossa intervenção mágica se realize. Dessas experiências inapreensíveis da linguagem - mudas e místicas - emerge um "plano de expressão" ou nossa intervenção mágica - esse delírio rigoroso:



“Yo pienso que en lo que hace al plano del pensamiento se trata de tratar de acabar con un tipo del pensamiento del discurso teórico cuya función sea la de sofocar – aun bajo la excusa de significar –, de sofocar lo real. Lo real en su sentido más pasional o pulsional. Entonces, hacer un plano de expresión donde, digamos, la corporalidad, el deseo, en última instancia, la locura y el delirio pueden pesar” (Perlongher, 2004, p. 361).


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“escrita en transe” – poética –

instranse – salto nos confins do mundo

na grande consciência – no fluxo...



“yo creo que en el estado de creación poética hay algo parecido a la posesión. Es una especie de no-yo, […] Como un torrente en el que se mezcla todo. Pero se mezcla todo al servicio del propio flujo. […] el efecto poético, que es difícil de definir, que tiene algo de inefable, de luminoso” (Perlongher, 2004, p. 369).



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O corpo como uma “caixa de resonância”, ou seja, “el cuerpo como cuerpo”. Nessa caixa de ressonância se escutariam todo tipo de sussurro, burburinho, ruídos, sons, cheiros, texturas, numa palavra, intensidades. Permancer e observar, escutar, sentir, cheirar, tocar tudo com todo o corpo; observar os pensamentos, esperar que se acalmem.



satori

escrituração

mensageiro dos planos de inmanencia, das viagens através das experiencias de éxtasis

espreiteza

aguardar o momento oportuno para o salto nos confins do mundo.

o delírio rigoroso como modo de operação

intervenção mágica nesse mundo inapreensível.



bibliografia:


CAMPOS, Haroldo de: Metalinguagem e outras metas. São Paulo: Perspectiva, 1992.

PERLONGHER, Néstor: Papeles Insumisos. Buenos Aires: Santiago Arcos, 2004.