domingo, 30 de novembro de 2008

grupos de extermínio - de machos - e anedota do barão de itararé

Foi traduzido e será lançado aqui na Espanha, em dezembro, o diário de Andy Warhol. Depois de ler os últimos suspiros do escandaloso Luís Buñuel, creio que viria bem ler esse outro diário. Hoje, pela manhã, li um trecho que foi publicado no "El País". De cara, já me interessei. Imaginem vocês que Warhol foi atacado por Valerie Solanis, membra de um grupo feminista radical, a "SCUM" - iniciais em inglês de "Sociedade Para o Extermínio do Macho". Isso mesmo senhores, existiu - ou existe ainda, vai saber - um grupo de mulheres que queriam exterminar, a ação é essa mesma, todos os homens do planeta. Porque o sujeito era homem, cabra macho, elas dizimariam. Arrancariam os bagos, trucidariam os varões e enterrariam em vala comum. Outra opção seria tacar fogo nos corpos e dançar ao redor de uma fogueira. A existência de um grupo como esse não deixa de causar um certo assombro.. um frio na barriga. Se ainda exitem podem está espreitando nossos lares e preparando um plano de assalto ao poder. Quem sabe? De repente, estão mais organizadas do que imaginamos..


Nessa semana a Índia dos pranayamas, das iogas e de Ghandi viveu dias de terrorismo insano, graças a intervenção de mais um grupo extremista. Há exatos 45 anos, esse grupo de extermínio de machos atacavam Andy Warhol e, dias depois, o Kennedy seria asssassinado. Contrastando com os assombrosos eventos em Bombaim, não pude deixá de me divertir com a leitura de um grupo dessa estirpe que tentou matar o artista pop. O que mais surpreende, além do nome, é o alvo que ecolheram para atacar. Segundo Warhol, o grupo era homofóbico e defendiam um mundo feminino, maravilhoso e genial. Noutras palavras, sem machos ou com machos escravos, sendo explorados pelas abelhas rainhas.


ooo


Em épocas de terrorismos, de falta de humor, de repetições sem variação dos mesmos temas, ou como diria Breton a Buñuel, na década de 50, "hoje em dia, não há mais lugar para o escândalo". Nessa toada, lembro uma anedota do irreverente Barão de Itararé. Ele publicou uma série de reportagens sobre o João Cândido, o Almirante negro, herói da revolta da chibata, de 1910. O barão foi sequestrado e espancado por um grupo de oficiais da marinha - jamais identificados. Ao regressá do passeio, escreveu na entrada de seu gabinete: "Entre sem bater"..


segunda-feira, 17 de novembro de 2008

viajar com-viver

Alexander Supertramp abandonou o american way of life e botou o pé na estrada, deixando para trás, todos os resquícios de sua vida capitalista e burguesa. Doou o dinheiro que seus pais lhe deram para pagar a faculdade, queimou os últimos dólares que carregava. Peregrinou, errante, e buscou os meios para ir ao Alaska, onde viveria solitariamente e longe das leis moralistas da sociedade que vivia. Em seus últimos dias, viveu num caminhão, que encontrou no meio das montanhas geladas desse anexo dos Estados Unidos. Depois de ingerir, por engano, uma raiz venenosa, morreu, lentamente, por inanição. Escreveu, já sem forças e com os seus últimos suspiros, nos cantos de um livro: “a felicidade só é felicidade quando compartilhada”. Essa frase foi escrita entre um parágrafo e outro de um livro que trazia consigo. Suas forças esvaiam-se dia após dia, morreu por inanição, porque não conseguia comer, o estômago rejeitava tudo e, desse modo, foi enfraquecendo até a morte.


Daí emergem várias questões. Fico pensando se a cultura ocidental pensa assim quando privilegia a genialidade individual. Não seriam os rastros de uma cultura do herói, a dizer, de uma cultura messiânica? Estamos imersos – eis o triunfo do liberalismo – numa sociedade do indivíduo, onde a harmonia coletiva é relegada a segundo plano.


Assisti a uma palestra de Agnés Agboton, no seminário “De Pedra e de Palavra: vozes de Pafrica e Ásia”, em Santiago de Compostela e organizado pelo Centro PEN da Galiza. Agboton é do Benin, mas vive na Espanha há muitos anos. Segundo a escritora, na cultura do Benin e de vários outros países – ou etnias, pois num mesmo país, encontramos mais de uma – africanos valoriza-se a harmonia coletiva. A idéia de indivíduo não é central para eles. Ouso dizer que, na engrenagem cotidiana dessas sociedade, nem sequer existe um lugar para esse indivíduo genial e egóico. Somos bilhões de seres humanos lutando uns contra os outros para sermos o herói do filme. Identificamo-nos com a protagonista. Agnés Agboton disse: “a pessoa é muito importante para a outra”. O que está em questão é o modo de convivencia. E arrematou: “indivíduo, só o bruxo”.


Eu já havia escutado de um babalaô – sacerdote ou “bruxo” ioruba que consulta o oráculo de Ifá – que isso também acontecia entre os iorubas, situados hoje na Nigéria e numa pequena parte do Benin. Esse babalaô me contou: quando um sacerdote de Ifá consulta o oráculo, um odu desce a terra. Este é um símbolo que narra uma série de mitos e ebós para abrir os caminhos e livrar o consulente dos aspectos negativos. Dentre os iorubas, o que importa é recitar as palavras mágicas e realizar o ebó. Desse modo, a harmonia coletiva é mantida. Os dramas psicológicos do consulente não são levados em consideração. Quando o oráculo ioruba atravessou o Atlântico, em diáspora, devorou as culturas indígenas e européias. Logo transtornou-se numa consulta psicologizante. Em alguns casos, substitui a psicologia ou a psicanálise, uma vez que para as classes menos favorecidas torna-se inviável manter um processo de análise. A psicanálise popular são os búzios das mães de santo!


A nossa cultura valoriza o indivíduo e sua mixórdia de eventos e problemas ordinários. Esses indivíduos todos anseiam por soluções aos seus problemas. Querem harmonizar as suas vidas pessoais, a saúde da família, o marido ou esposa que não chega, o trabalho que não têm, as contas que não consegue pagar e etcétera. “A vida... a vida é etcétara!”, diria Riobaldo.


A antropofagia ioruba na diáspora é fascinante e riquíssima. A psicanálise popular, tropical e embruxada é revolucionária. Lembro, todavia, a harmonia coletiva, de que falava Agnés Agboton. Esse é um gesto necessário para os dias de hoje. A felicidade compartilhada no espaço entre um parágrafo e outro. Essa felicidade decorrente da harmonia coletiva, nem que rasuremos o livro, acrescentando uma frase que escapou ao autor. Uma harmonia coletiva onde nossas perspectivas individuais sejam postos de lado e, assim, possamos experimentar uma outra sensibilidade, um outro modo de convivência, outras saídas e entradas em nosso mundo contemporâneo.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

(diário galego)

san lourenzo 46, terça 11 de novembro de 2008


Ando em crise com o Eu que escreve, que se desenha num suposto diário. Um Eu identitário que narra seus dramas e peripécias de viajante. Admito que parte dessa crise se dá porque nada de interessante acontece comigo. Não faço nada a não ser ir aos festivais de cinema, escrever emails para saudosos amigos e parentes e para a mulhé que amo. Não mexo muito nas “desordens das fantasias”, o diário on line – vulgo blog. Por isso, pouco escrevo nesse espaço formalizado para as confissões de inconfessáveis acontecimentos. Emoção e adrelina de andarilho aprontando pelas ruas galegas de Santiago. Não tem sido assim.


Estou lendo a confissão, essa sim emocionante e, até certo ponto, coletiva – geracional – de Luis Buñuel. A geração de 27, contanto, entre outros, com ele próprio, Salvador Dalí, Frederico García Lorca e Pepín Bello transtornou o cenário artístico espanhol e mundial. O curioso é que saí do Brasil para vir à Espanha, buscando algo menos provinciano e careta que o Rio de Janeiro. Como dizia Nestor Perlongher, o Brasil tem uma cultura viva, potente, cuja mescla produz revoluções culturais constantes, ao passo que, no dia a dia, somos de uma caretice sem par. E leio uma passagem de Buñuel que narra sua chegada à Paris, em 1925. Segundo ele, uma coisa saltou aos seus olhos espanhóis – e olha que não era galego, mais tradicional ainda - : casais se beijando e se atracando à plena luz do dia e pelas ruas de Paris. E vim para cá, estou aqui. Saio da antropofagia cultural brasileira, reacionária no trato diário, para a Espanha, o país onde os casais, até bem pouco tempo atrás, não se beijavam nas ruas. Porém, é a Espanha de Buñuel e a via láctea de Santiago pôde ser vista sob suas câmeras – alívio..