terça-feira, 21 de outubro de 2008

a travessia ou encontrovérsias insólitas > a saída

"Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia" (Guimarães Rosa).

A viagem é um movimento de saída de nossos hábitos – nossa perspectiva –, de um espaço-tempo em que estamos acostumados a viver e entrar numa outra dimensão – desemdida. Viajamos com o auxílio de uma droga, de um transe meditativo ou de incorporação ou mesmo um deslocamento físico a outro lugar. O que está em questão em qualquer dessas experiências é o deslocamento espaço-temporal do sujeito. A saída de seus limites e o seu encontro consigo mesmo.
Em Grande Serão: Veredas, Guimarães Rosa – ou Riobaldo – narra a sua experiência de sobrevivência e travessia no sertão. Repete(m) incessantemente que “viver é perigoso”. Por ser perigoso abre-se para o insólito a todo instante. O inusitado nos acompanha, nos assalta a todo momento. Ressaltar a travessia é compor “lares provisórios”, como quer Edward Said. Não há refúgio para o indivíduo com seus dramas internos e externos. Estamos sendo, acontecendo em fluxos de energia e sangue – jorros iridiscentes, para o argentino tropical – nas encontrovérsias do mundo entre os nosso arranjos e o imprevisível.
A travessia insólita se renova a cada encruzilhada. A cada instante que permitimos nosso encontro com o outro – transe – onde nossos hábitos são postos em questão e descobrem novas perpectivas - devorações. Viver em trânsito é experimentar o outro. Em sintonia, sincronia e simetria – na diferença – liberando o xamã de cada poeta.
E foi assim que Perlongher viveu a vida. É assim que vivi e vivo para escrever esse ensaio. Escrevivendo no tráfego, entre engarrafamentos, acidentes, auto-estradas, “humo” na estrada de Rosário à Buenos Aires.
Nestor experimentou com a antropologia e a literatura no Brasil, seguindo o grafite que cita numa entrevista: “por uma Argentina tropical e pagana!”. Em São Paulo e no Acre tentou encontrar essa Argentina, essa América Latina. Sua pesquisa acadêmica foi ensaística e de campo, nas ruas. Entre os michês, a militância gay, a poesia e o Daime. Experimentou o transe – escreviveu. Através de sua poética liberadora devorou a experiência de ser outro. Foi o michê e o caboclo do Daime – o poeta liberado.
Um outro tempo, um outro topos, um outro. Encontrvérsias com o outro, com o eu, onde esses limites já não importam. Composições exprimíveis e inexprimíveis materializando-se numa escrita curacriativa, rastreando o Acre, o ayahuasca, São Paulo, os michês – o tropical pagão.

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